terça-feira, 28 de julho de 2009

Deus e Diabo


- A arte é linguagem?
- Não, a arte surge no instante em que rompe com a linguagem. É expressão de não linguagem.

Mas até que ponto um crítico ou cientista pode dispor das teorias da linguagem para elaborar concepções sobre um trabalho artístico? Será que é possível afirmar que toda obra visual possui elementos no universo da linguagem ou será que é pretensão dos teóricos?

Acredito que esse debate seja um dos mais instigantes nas rodas de conversas entre pessoas que curtem artes visuais em João Pessoa. Alguns admitem o caráter da linguagem na arte, outros defendem que quando a arte se coloca como meio de comunicação, perde a poeticidade. Sendo, portanto, algo que rompe com a função de código entre alguém que o elaborou e outro que o decodifica como receptor.

Eu não tenho a intenção nem a pretensão de dar um ponto final nesse debate, mas queria contribuir com algumas observações.

Primeiro ponto é entender que essa discussão gira em torno de que a arte pode ou não ser representação. - Será que quando uma obra indicia algo ela perde seu caráter ontológico, de poesia-substancia? E aí vem a antiga angústia dos fotógrafos que lutam incessantemente contra a fragilidade da fotografia como meio artístico, que, utilizando a expressão de Barthes, “a fotografia sempre adere ao referencial”, sempre parte da representação do real.

Acontece que a linguagem nascendo signo, representação, em alguns momentos salta do universo indicial para ser substancia própria. O receptor pode decodificar aquele elemento não mais como código, mas como sendo pertencente a um universo paralelo ao representado ou mesmo ser a substancia que porventura ele estaria representando inicialmente.

Até pouco tempo atrás eu tinha medo de pronunciar a palavra “diabo”, porque acreditava que o chifrudo co-habitava naqueles sons. Não era só eu que pensava assim, Guimarães Rosa soube como ninguém a arte de pinçar palavras do universo da representação para colocá-las no terreno da substancia e fez isso com maestria no seu livro Grande Sertão Veredas. No outro extremo, o antigo tetragrama YHVH (gráfico) para o nome do Deus de Israel não possui seu correspondente oral. Tamanho era o respeito com a palavra, com o nome, que ao deixar de ser pronunciada, com o tempo, perdeu-se o som original. Assim, sua tradução pode ser Jeová, Iavé, Jiové etc. Visto que graficamente não existe meios de identificar as vogais do nome. Essa existência do medo na enunciação nos prova que as palavras também podem ser mais do que código, representação. Elas saem da condição de espelho, podendo conter traços do próprio ser a que está representando, sem todavia perder suas características de representatividade em um contexto.

É assim que penso também nas obras de arte. A arte genuína é substancia própria, tem valor ontológico, existência além da representatividade. Ela pode nascer ou ter face comunicativa, contudo, é essencialmente essência. É o Diabo no livro de Guimarães Rosa e o tetragrama no Velho Testamento. Arte não é somente linguagem, é Deus e Diabo.

Roncalli Dantas

Um comentário:

  1. Acredito que a arte seja polissêmica, não apenas como linguagem, mas como essência também. A arte é muitas coisas, ou, por bem dizer, é tudo o que nos rodeia e a que atribuímos significado.

    Uma Madona de Rafael é apenas um pedaço de pedra se a ele não atribuirmos um significado. E creio que a compreensão do que é arte nunca terminará por estarmos confundindo sempre o canal com o objeto.

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