sábado, 10 de setembro de 2011

Cris e Dani Calaço: Em que espelho ficou perdida a minha face?






“(...)Em que espelho ficou perdida a minha face?"
Cecília Meirelles


“(...)O buraco do espelho está fechado

agora eu tenho que ficar agora

fui pelo abandono abandonado

aqui dentro do lado de fora(...)”.
Arnaldo Antunes


O narciso do espelho, instantâneo do autorretrato, é sempre anterior. Ele viaja entre planos deixando marcas, pistas e mesmo assim não nos deixa fixar. Não nos permite retê-lo por muito tempo.

O narciso do retrato pictórico fixou-se na história da Arte formando uma tradição artística utilizando principalmente imagens de pessoas importantes além dos próprios artístas que se autorretratava. Reis, príncipes, chefes de igrejas, personagens históricos como Joana D`arc, Luís XV foram emoldurados e entre eles os operários especulares Velasquez, Rembrandt, Van Gogh. - Eles se deixaram fixar pela a angústia de tentar guardar seus narcisos, arquivar suas faces, ter a posse do espelho em um momento histórico, usado para manutenção da memória ou do poder. Com o advento da fotografia, nem sempre é a motivação da fixação, do arquivo, da memória que move o artista a se autorretratar. Cindy Sherman, fotografa americana, buscava desaparecer-se como figura individual, singular e se autorretratava para surgir-se em outras personas, que sempre escapava de si, buscando uma representação social do universo feminino de meados do século passado. É dela a frase: “ Quando olho para as imagens, eu nunca me vejo, elas não são auto-retratos. Às vezes eu desapareço”. Sherman perdia-se através da manipulação simbólica da cena e de si mesma, para revelar-se no universo feminino.

Cris e Dani, irmãs gêmeas, na série de autorretratos, embora se alimentem da tradição artística entre a pintura e a fotografia, elas não tem pretensão de eternizarem suas faces, nem tão pouco a intensão de convergir imageticamente o estereótipo do universo feminino contemporâneo. Suas imagens questionam o ato fotográfico do autorretrato, deixando dúvidas sobre o lado do espelho que está visível em suas imagem. As vezes fundindo os dois lados, como se abandonasse o lado de fora, bastando-se apenas reflexo. Outras vezes abandonando o espelho, bastando-se o reflexo físico, uma frente à outra, por serem gêmeas. Então, quem está guardando a face de quem? Que Narciso duplo é esse fixado?
- Como o próprio espelho que produz uma circularidade imagética entre o ser e o seu reflexo, os autrorretratos de cris e dani se alimentam da singularidade de serem gêmeas e multiplicam no campo simbólico as possíveis leituras de suas imagens.

Roncalli Dantas