quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Geh Lima. "Eles e Eu"


Autoretrato: Eles e Eu
Acrilico s/ papel
Foto: Roncalli Dantas

Alguns artistas pretendem o trânsito em relação ao sistema artístico contemporâneo. Ao invés do pertencimento a uma cena, a um bloco discursivo em voga, que se utiliza de um “código” aceito pela maioria, eles buscam o envolvimento com questões cotidianas e procuram soluções que inclui o fazer artístico no interior de uma postura de vida, e de suas decisões diárias.

Em João Pessoa, Serge Huot, Marco Aurélio Damasceno, Luis Barroso e Geh Lima são alguns exemplos que seguem essa vertente, cujo “ato de fazer” não se desvincula do que são, produzindo uma poesia longe do trocadilho, da retórica, do jogo e próximo do que se poderia chamar de crônicas visuais individuais.

Ultimo Fôlego
Técnica mista: gravura, pastel, acrílico
Foto: Roncalli Dantas
Geh Lima, com apenas 20 anos de idade, já possui a capacidade de emprestar aos seus objetos essa carga que “aponta”, que “indicia” suas escolhas e sua identidade. Seu trabalho vai além da representação de um “código histórico artístico estabelecido” que se fecha formalmente seja pelo abstracionismo, pelo modernismo, ou pelo regionalismo, nem se limita tecnicamente a uma modalidade apenas, visto que transita desde o desenho, através de suas anotações de sonhos, passando pela gravura, pintura e ultimamente projetando  instalações.

Para esta exposição na Aliança Francesa, seus trabalhos estão organizados em duas temáticas. Um primeiro momento, que aborda a voracidade, o consumo e um outro bloco de obras que envolve seus autoretratos dialógicos, em que o sujeito em trânsito, fragmentado, está situado entre o “Eu” e o “Eles”.

Roncalli Dantas, 
Nov de 2012  

O Fluxo de Antonio Filho


Escultura
foto: Antônio Filho
As construções urbanas, assim como as palavras, se agregam formando estruturas, que falam aos seus habitantes em discursos que associam elementos físicos ao imaginário, coordenando significações de entrada, saída, verticalidade, interiores, volumes e aparência com sua articulação nas práticas sociais[1]. Esses elementos de linguagem urbana indiciam variáveis ideológicas, articulam padronização, revelam as hierarquias e certas formas de controles sociais, além de servir como cenário para uma memória nem sempre consciente dos cidadãos.

Existem também espaços em silêncio, vazios de significados para uma determinada comunidade. Espaços ainda não domesticado pela racionalidade como as matas, historicamente associado ao medo, ao desconhecido.  É portanto a criatividade em modificar o espaço que produz o lugar[2], resultado do morar, das marcas impressas na terra, nas árvores, nos rios. Estas “escrituras urbanas “ construídas, envolvem a sociedade e moldam o ordenamento simbólico das comunidades em seu imaginário.

Com o passar do tempo, a maneira como os indivíduos ordenam essas relações, criam-se demarcações de diferenciação em relação a outros lugares, gerando diferenças de discursos. São estes ambientes exclusivos, com cargas identitárias e de memórias específicas como o “meu” bairro, a “minha” cidade, a “minha” favela que formam os territórios.

O espaço, o lugar e o território são, portanto, conceitos que amalgama o ambiente físico ao corpo coletivo social no percurso do tempo. - É esta a matéria prima conceitual, de contínuas interações, entre comunidade e espaço físico urbano, que o artísta Antônio Filho desenvolve sua poética visual em FLUXO. São poesias entre o sangue e o concreto, envolvendo as memórias das organizações coletivas locais, topografias abstratas, expressões de tensão presente no imaginário coletivo entre a imposição ideológica verticalizadora e a necessidade da existência dos silêncios, dos espaços horizontais e sem discursos urbanos na cidade. 

Roncalli Dantas, 
Agosto de 2012



[1] SODRÉ, Muniz. O terreiro e a cidade. Editora Imago, 2002

[2] HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Editora Vozes, 2005

terça-feira, 11 de outubro de 2011

A UFPB e as artes visuais entre 2006-2010





Eu quero contar uma história. E que por ser história em primeira pessoa, não tenho nenhum compromisso com a exatidão dos fatos, apenas possuo uma responsabilidade com a memória vivenciada por mim.

Cartaz da exposição coletiva
Integração 275 no NAC
Em 2006, eu estava na graduação de letras quando ouvi falar de Ricardo Dubinskas, Secília e Marta Penner no departamento de Artes Visuais da UFPB através de Adriano Barreto, Cristina Carvalho, alunos, que juntamente com Manoel Fernandes, tinham sido escolhidos pelo edital da Fundação de cultura da prefeitura de João Pessoa para expor no Casarão 34. Dentre eles, Ricardo era um professor muito comentado, era o incentivador de Cris e Adriano, fomentava o desenvolvimento artístico através de questionamentos e adorava um papo nos lugares mais pitorescos, sempre regado a companhia da sua cerveja com cachaça. Ele Criou meios de provocar debates em arte contemporânea estimulou projetos em suas aulas, direcionou os meninos para as novas tecnologias e tinha um discurso "carpen dien" na ponta da língua. Mas Ricardo se ausentou para fazer o doutorado, coincidindo com a saída dos meninos da graduação, da cidade(foram para São Paulo) e com meu casamento entre 2007 e 2008. Perdemos o vínculo, o crescimento artístico estagnou. Cris e Adriano em São Paulo, embora se relacionassem com Fabiano Gonper, devido ao trabalho na noite em bares e cafés, tiveram poucas oportunidades de desenvolverem artísticamente. Neste momento Secília apoiada pelo professor Erinaldo abre uma frente de pesquisa em Arte na Escola e faz convergir alunos, artístas pesquisadores. Fabrícia Jordão, Thaís Catoira, Elane Telles, Claudia Nen, Iris Helena entre outras alunas, começaram a se envolver na produção acadêmica e sobretudo a criar um ambiente de discussão em artes, que também foi interrompido com o deslocamento de Secília para o doutorado na UFRJ. Daí surge Marta Penner, que já vinha acompanhando outras alunas do curso como Danielle Travassos, Raquel Stanick, Séphora, Américo, Carlos Café, Prince Danielle, Dani Calaço e que, após a saída dos outros professores, faz convergir, apoiada inicialmente pelo professor Marco Aurélio e posteriormente pelo curador Dyógenes Chaves, toda uma cena nas artes visuais de João Pessoa. 

Os trabalhos começam a sair do círculo da UFPB. O NAC retorna a cumprir sua função primordial em ser núcleo de Arte Contemporânea que coordenada por Marta (2006-2010), começa a acontecer intervenções públicas, discussões, exposições, debates com artístas importantes como Paulo Bruski e Felipe Herenberg e parcerias com a Aliança Francesa e a Energisa através de Dyógenes.

Para terminar a composição deste ambiente, em 2009, aconteceu o encontro internacional de linguística(ABRALIN)em nossa cidade e, neste evento, fui indicado pela Professora Beliza Áurea para organizar uma exposição no local do evento (Estação Ciencia). Neste local, teríamos que dividir o espaço com um artísta de Campina Grande que estava retornando da França. Embora expondo à parte, o trabalho de Luís Barroso se integrou à exposição, que juntamente com Chico Dantas, artista da geração de 80, contribuiu para o diálogo durante o evento e para a construção da exposição coletiva.

Posso entender hoje que existe uma geração de artístas e pensadores formado neste ambiente entre 2006-2010 em João Pessoa. Como frutos desta convergência formadora, Iris Helena é selecionada no Rumos Itaú Cultural; Fabrícia Jordão já defendendo a dissertação de mestrado pela USP, amplia as discussões em torno da arte contemporânea nacional incluindo o NAC; Thais Catoira contribui com a organização da produção no NAC entre os anos 70 e 80; Elane Telles, por sua vez cria relações da cerâmica e a arte contemporânea na sua dissertação pela UFRJ; Raquel Stanick começa a despontar como curadora em projetos direcionados para centros culturais e artístas como Américo, Cris e Dani Calaço, Prince Danielle, Dani Travassos, Antonio Filho, Carlos Nunes, Geh Lima começam a produzir obras com maior densidade artística.

- Embora as obras artísticas e os artigos sejam frutos de pesquisas individuais, jamais podemos esquecer que existe um corpo formado pelo diálogo, pela troca de experiência, que envolveu todas estas ações e pessoas citadas, tendo como núcleo, Marta Penner, Secília e Dubinskas na UFPB.

Roncalli Dantas

sábado, 10 de setembro de 2011

Cris e Dani Calaço: Em que espelho ficou perdida a minha face?






“(...)Em que espelho ficou perdida a minha face?"
Cecília Meirelles


“(...)O buraco do espelho está fechado

agora eu tenho que ficar agora

fui pelo abandono abandonado

aqui dentro do lado de fora(...)”.
Arnaldo Antunes


O narciso do espelho, instantâneo do autorretrato, é sempre anterior. Ele viaja entre planos deixando marcas, pistas e mesmo assim não nos deixa fixar. Não nos permite retê-lo por muito tempo.

O narciso do retrato pictórico fixou-se na história da Arte formando uma tradição artística utilizando principalmente imagens de pessoas importantes além dos próprios artístas que se autorretratava. Reis, príncipes, chefes de igrejas, personagens históricos como Joana D`arc, Luís XV foram emoldurados e entre eles os operários especulares Velasquez, Rembrandt, Van Gogh. - Eles se deixaram fixar pela a angústia de tentar guardar seus narcisos, arquivar suas faces, ter a posse do espelho em um momento histórico, usado para manutenção da memória ou do poder. Com o advento da fotografia, nem sempre é a motivação da fixação, do arquivo, da memória que move o artista a se autorretratar. Cindy Sherman, fotografa americana, buscava desaparecer-se como figura individual, singular e se autorretratava para surgir-se em outras personas, que sempre escapava de si, buscando uma representação social do universo feminino de meados do século passado. É dela a frase: “ Quando olho para as imagens, eu nunca me vejo, elas não são auto-retratos. Às vezes eu desapareço”. Sherman perdia-se através da manipulação simbólica da cena e de si mesma, para revelar-se no universo feminino.

Cris e Dani, irmãs gêmeas, na série de autorretratos, embora se alimentem da tradição artística entre a pintura e a fotografia, elas não tem pretensão de eternizarem suas faces, nem tão pouco a intensão de convergir imageticamente o estereótipo do universo feminino contemporâneo. Suas imagens questionam o ato fotográfico do autorretrato, deixando dúvidas sobre o lado do espelho que está visível em suas imagem. As vezes fundindo os dois lados, como se abandonasse o lado de fora, bastando-se apenas reflexo. Outras vezes abandonando o espelho, bastando-se o reflexo físico, uma frente à outra, por serem gêmeas. Então, quem está guardando a face de quem? Que Narciso duplo é esse fixado?
- Como o próprio espelho que produz uma circularidade imagética entre o ser e o seu reflexo, os autrorretratos de cris e dani se alimentam da singularidade de serem gêmeas e multiplicam no campo simbólico as possíveis leituras de suas imagens.

Roncalli Dantas

sábado, 31 de outubro de 2009

Notas de esquecimento







Enquanto a pintura contém o tempo dos gestos manuais marcados nos suportes, a fotografia guarda apenas o tempo do corte, do disparo. 
Essa limitação gestual fragiliza a fotografia como arte e ao mesmo tempo revela sua especificidade como linguagem, em que o artista passa a equilibrar-se na corda bamba entre o tempo contínuo e o instante do passado fixado, contido no presente em suas imagens impressas.

É sobre a elasticidade desse tempo entrecortado e fixo que Iris Helena desenvolve sua pesquisa artística. Para ela não interessa apenas o flagra, o instante mágico ou a eloqüência da imagem. A sua busca verdadeira é sobre o questionamento da extensão temporal da imagem banal, cotidiana. Daí a utilização de suportes frágeis que remete a diferentes temporizações. Suas imagens urbanas em post its na Aliança Francesa ou das ruínas em papel higiênico no NAC são metáforas, refletindo a manipulação consciente sobre memórias e esquecimento.

roncalli dantas

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Exu entre Dioniso e Apolo




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Alienação. Ohhh!
Mas a arte é o equilíbrio entre Dioniso e Apolo, entre corpo e intelecto.
- Sim.
Mas veja só.
Vamos a um desafio!

Eu ponho Construção de Chico Buarque na lousa (com partitura e tudo) e você põe qualquer uma de Jakson do Pandeiro. Quem ganha? Quem ganha?...
dou-lhe uma, dou-lhe duas.... BOOOOOM

Mas é lógico que o grande Chico ganha na lousa. É lógico que a estrutura melódica, harmônica e lingüística de Construção é tecnicamente melhor! Mas onde mora a lógica da performance quando se entrega um violão a Chico e um pandeiro a Jakson?

O que dizer da sofisticada embolada rítmica e corpórea de Jakson? Será mesmo que o baixinho mestiço tinha consciência intelectual do que fazia no palco?
- Um momento. Antes de qualquer coisa, é bom deixar claro que sou fã de Chico Buarque.
A canção de Chico não aliena. A letra é distribuída obedecendo os acentos melódicos e a angústia do trabalhador, que morre no asfalto atrapalhando as proparóxitonas, é a própria tragédia que leva o espectador ao Pathos, catarze... e tudo mais. Tudo meticulosamente e intelectualmente dosado.
E do outro lado? Tadin de Jakson. Ele fez somente música corpórea! Nele pulsa apenas resquícios do sangue azul.
Mas como um Exu se travestindo de Dioniso, o pequeno mestre percorre malandro entre melodia e letra. Percorre, anda, corre, desacelera e faz isso magistralmente entre contratempos de consoantes e vogais na batida do pandeiro. Essa é uma virtude que ainda muitos teóricos não perceberam. Simplesmente porque Dioniso abandonou a Europa e como nós aqui dificilmente produzimos teorias, acabamos aceitando os paradigmas do que é boa música a partir do que se chama boa música na Europa.

Nós reproduzimos todos os dias na academia a inversão da cena do príncipe Charles dançando com a negra Piná na década de oitenta!
Somos Charles querendo que uma negra dançe como nós. Ou melhor, que ela deixe de dançar... porque é alienante.
Não é possível teorizar canções populares brasileiras a partir somente dos paradigmas científicos intelectuais europeus. Simplesmente por que nossa canção popular, devido à influência africana, tem uma sofisticação diferente! 

terça-feira, 28 de julho de 2009

Deus e Diabo


- A arte é linguagem?
- Não, a arte surge no instante em que rompe com a linguagem. É expressão de não linguagem.

Mas até que ponto um crítico ou cientista pode dispor das teorias da linguagem para elaborar concepções sobre um trabalho artístico? Será que é possível afirmar que toda obra visual possui elementos no universo da linguagem ou será que é pretensão dos teóricos?

Acredito que esse debate seja um dos mais instigantes nas rodas de conversas entre pessoas que curtem artes visuais em João Pessoa. Alguns admitem o caráter da linguagem na arte, outros defendem que quando a arte se coloca como meio de comunicação, perde a poeticidade. Sendo, portanto, algo que rompe com a função de código entre alguém que o elaborou e outro que o decodifica como receptor.

Eu não tenho a intenção nem a pretensão de dar um ponto final nesse debate, mas queria contribuir com algumas observações.

Primeiro ponto é entender que essa discussão gira em torno de que a arte pode ou não ser representação. - Será que quando uma obra indicia algo ela perde seu caráter ontológico, de poesia-substancia? E aí vem a antiga angústia dos fotógrafos que lutam incessantemente contra a fragilidade da fotografia como meio artístico, que, utilizando a expressão de Barthes, “a fotografia sempre adere ao referencial”, sempre parte da representação do real.

Acontece que a linguagem nascendo signo, representação, em alguns momentos salta do universo indicial para ser substancia própria. O receptor pode decodificar aquele elemento não mais como código, mas como sendo pertencente a um universo paralelo ao representado ou mesmo ser a substancia que porventura ele estaria representando inicialmente.

Até pouco tempo atrás eu tinha medo de pronunciar a palavra “diabo”, porque acreditava que o chifrudo co-habitava naqueles sons. Não era só eu que pensava assim, Guimarães Rosa soube como ninguém a arte de pinçar palavras do universo da representação para colocá-las no terreno da substancia e fez isso com maestria no seu livro Grande Sertão Veredas. No outro extremo, o antigo tetragrama YHVH (gráfico) para o nome do Deus de Israel não possui seu correspondente oral. Tamanho era o respeito com a palavra, com o nome, que ao deixar de ser pronunciada, com o tempo, perdeu-se o som original. Assim, sua tradução pode ser Jeová, Iavé, Jiové etc. Visto que graficamente não existe meios de identificar as vogais do nome. Essa existência do medo na enunciação nos prova que as palavras também podem ser mais do que código, representação. Elas saem da condição de espelho, podendo conter traços do próprio ser a que está representando, sem todavia perder suas características de representatividade em um contexto.

É assim que penso também nas obras de arte. A arte genuína é substancia própria, tem valor ontológico, existência além da representatividade. Ela pode nascer ou ter face comunicativa, contudo, é essencialmente essência. É o Diabo no livro de Guimarães Rosa e o tetragrama no Velho Testamento. Arte não é somente linguagem, é Deus e Diabo.

Roncalli Dantas