segunda-feira, 13 de abril de 2009

Show em casa ou em casa de show?


Nos últimos dias ocorreram três eventos que chamaram a atenção para a importância do locus arquitetônico na arte contemporânea. A exposição Plano 72 dos alunos da UFPB numa casa da General Osório, o evento Revolante Filipéia no casarão da Piollin e o show de abertura da Banda de Seu Pereira em Campina Grande na casa do Bar e Arte.

Na contemporaneidade, os salões de artes em cubo branco estão para as artes visuais assim como as casas de shows, com seus grandes vãos vazios e neutros, estão para as apresentações de música. Os lugares acabam ocupando a função de simples moldura, são intervalos de sentido que não interferem, nem acrescentam absolutamente nada ao produto final do artista ou à interação entre a performance musical do intérprete e o público. Sendo elementos neutros, o lugar deixa de ser lugar e passa a ser espaço, que não deve macular a obra ou a comunicação. São suportes que fornecem um padrão normatizado para facilitar o deslocamento das obras e das performances, musicais e visuais.

Sábado passado, em campina grande, enquanto tomava uma caipiroska no Bar e Arte, perguntei a uma pessoense que tinha feito o caminho inverso da praia para buscar aquele ambiente em pleno fim de semana. O que você encontra aqui nesse lugar que não tem em João Pessoa? Ela parou um pouco e me respondeu mostrando os cantinhos da casa: “Aqui tem boa discotecagem, bom atendimento, pessoas legais e o lugar é acolhedor, tem identidade”.

Enquanto ela falava, de imediato pensei na casa da Tia Ciata, nascedouro do samba no Rio de Janeiro, e que Wisnik fez um estudo relacionando os ambientes da casa com as pessoas e a música que nascia na época. Sendo aquele ambiente na região portuária do Rio um espaço dividido entre sala, cozinha e terreiro, cada lugar dispunha instrumentos, assuntos e ritmos musicais distintos sem impedir a circulação dos convidados entre os cômodos. A música com influência européia e os instrumentos de sopro e cordas ficavam na sala, o batuque afro-brasileiro de tambores e atabaques no terreiro e as trocas rítmicas musicais na cozinha, propiciando o alimento em todos os sentidos para os deslocamentos de informações entre os ambientes.

- São os cômodos na arte. Ele singulariza o lugar, estabelece o envolvimento ritual das pessoas, facilitando a mesclagem e o dialogo. As paredes não estabelecem categorias classificatórias, de rotulações esteriotípicas entre os convidados, mas sugere caminhos de orientação para hibridismos entre visões distintas. Assim ocorreu na piollin. O grande terraço, circulando o exterior da casa, de clima ameno, rolando bate papo desleixado sobre exposições, cinema e música. A pista de dança quente pelo afrobeat do Burro Morto e o espaço intermediário, claro e agitado do barzinho, funcionando como interstício entre os ambientes.

Na exposição plano 72, devido às características próprias das linguagens visuais, o nível de interação do local com as obras atinge grande complexidade, pois a casa foi o elemento articulador entre as trabalhos dos artistas, evidenciando ora tensões de conflito espaço-temporal entre realidades distintas, ora apropriações por parte dos artistas para chegar às soluções estéticas em diálogo. Como exemplo desse dialogo, a obra de Marco Aurélio estabelece um elo de comunicação entre a literatura encontrada na casa e os óculos dos antigos moradores, buscando, esteticamente, a compreensão da leitura e do olhar deslocado entre os antigos habitantes do local e o próprio leitor atual que foi à exposição.

É assim o diálogo entre a obra artística, a arquitetura e o espectador. Ela fornece indícios para um olhar territorializado que inclui uma carga de sentido entre o que foi criado na atualidade, o lugar que o envolve e a recepção. Não é possível compreender a densidade de uma produção artistica atual, desprezando os elementos da linguagem arquitetônica e toda sua carga histórica inserida. Fica então as alternativas para os artistas. Expor, apresentar-se num cubo branco, numa casa de Show ou buscar espaços que interferem na sua própria obra, dialogando e produzindo conflitos.

Roncalli Dantas